quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O Demônio do Meio-Dia - Uma Anatomia da Depressão (trecho)

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O nascimento e a morte que constituem a depressão ocorrem simultaneamente. Há pouco tempo, voltei a um bosque em que brincara quando criança e vi um carvalho, enobrecido por cem anos, em cuja sombra eu costumava brincar com meu irmão. Em vinte anos uma enorme trepadeira guardara-se a essa árvore sólida e quase sufocara. Era difícil dizer onde a árvore terminava e a trepadeira começava. Esta enrolara-se tão completamente em torno da estrutura dos galhos da árvore que suas folhas pareciam à distância ser as da árvore. Só bem de perto podia-se ver como havia sobrado poucos ramos vivos e quão poucos gravetos desesperados brotavam do carvalho, espetando-se como uma fileira de polegares do tronco maciço, suas folhas continuando o processo de fotossíntese ao modo ignorante da biologia mecânica.

Tendo acabado de sair de uma depressão severa, na qual eu dificilmente acolhia os problemas de outras pessoas, me senti cúmplice daquela árvore. Minha depressão havia tomado conta de mim como aquela trepadeira dominara o carvalho. Ela me sugou, uma coisa que se embrulhara à minha volta, feia e mais viva do que eu. Com vida própria, pouco a pouco asfixiara toda a minha vida. No pior estágio de uma depressão severa, eu tinha estados de espíritos que eu não reconhecia como meus; pertenciam a depressão, tão certamente quanto as folhas naqueles altos ramos da árvore pertenciam a trepadeira. Quando tentei pensar claramente sobre isso, senti que minha mente estava emparedada, não podia se expandir em nenhuma direção. Eu sabia que o sol estava nascendo e se pondo, mas pouco de sua luz chegava a mim. Sentia-me afundando sob algo mais forte do que eu. Primeiro, não conseguia usar os tornozelos, depois não conseguia controlar os joelhos e em seguida minha cintura começou a se vergar sob o peso do esforço, e então os ombros se viraram pra dentro. No final eu estava comprimido e fetal, esvaziado por essa coisa que me esmagava sem me abraçar. Suas gavinhas ameaçavam pulverizar minha cabeça, minha coragem e meu estômago, quebrar-me os ossos e ressecar meu corpo. Ela continuava a se empanturrar de mim quando já parecia não ter sobrado nada para alimentá-la.

Eu não era suficientemente forte para parar de respirar. Sabia que jamais poderia matar essa trepadeira da depressão. Assim, tudo que eu queria era que ela me deixasse morrer. Mas ela se apoderara de minha energia. Eu precisaria me matar, ela não me mataria. Se meu tronco estava apodrecendo, essa coisa que se alimentava dele estava agora forte demais para deixá-lo cair. Ela se tornara um apoio alternativo para o que destruíra. No canto mais apertado da cama, rachado e atormentado por essa coisa que ninguém parecia ver, eu rezava para um Deus no qual nunca acreditara inteiramente e pedia libertação. Teria ficado feliz com uma morte dolorosa, embora estivesse letárgico demais até para conceber o suicídio. Cada segundo de vida me feria. Por que essa coisa drenara tudo que fluía de mim, eu não podia sequer chorar. Até a minha boca estava ressecada. Eu pensava que, quando nos sentimos muito mal, as lágrimas jorrassem, mas a pior dor possível é a dor árida da violação total que chega depois de todas as lágrimas já terem se exaurido. A dor que veda cada espaço através do qual você antes entrava em contato com o mundo, ou o mundo com você. Essa é a presença da depressão severa.

Eu disse que depressão é tanto o nascimento quanto morte. A trepadeira é o que nasceu. A morte é a própria desintegração da pessoa, o quebrar dos galhos que sustentam essa infelicidade. A primeira coisa que vai embora é a felicidade. Não é possível ter prazer em nada. Isso é notoriamente o sintoma cardeal da depressão severa. Mas logo outras emoções caem no esquecimento com a felicidade: a tristeza como você a conhecia, a tristeza que parecia tê-lo conduzido até esse ponto, o senso de humor, a crença no amor e na sua própria capacidade de amar. Sua mente é sugada a tal ponto que você parece um total imbecil, até para si próprio. Se seu cabelo sempre foi ralo, parece mais ralo ainda; se você tem uma pele ruim, ela fica pior. Você cheira a azedo até pra si mesmo. Você perde a capacidade de confiar nas pessoas, de ser tocado, de sofrer. Posteriormente, ausenta-se de si.
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Trecho do livro "O Demônio do Meio-Dia" de Andrew Solomon.
Ótimo livro, realmente esclarecedor para quem quer entender mais sobre a depressão, formas de tratamento, também sobre si mesmo, sobre o que sente, etc.
Futuramente postarei mais trechos deste livro.